Sempre achei lindo o ato de fazer
doações. Quaisquer doações. Se você doava um botão para uma costureira, eu já
achava um gesto maravilhoso e exemplar. Se você doava um quilo de arroz para
uma família carente, ganhava incontáveis pontos comigo. Então quando eu via
alguém comentar no twitter que ia deixar uns livros na biblioteca, eu já achava
que esse alguém era uma ótima pessoa que tinha conquistado sua passagem ao
paraíso. Então uma pergunta: quando a biblioteca rejeitou minha doação, eu
perdi o benefício de senha preferencial no limbo?
Deixe-me explicar essa história
desde o princípio. Um fato significativo sobre mim é que tenho livros. Menina
Joana tem livros, muitos livros, livros diferentes para cada dia do ano durante
anos. Eu recebo, compro, troco e acumulo. Uma hora, em plena crise de espaço do
século XXI, eu juntei mais livros do que minhas três estantes e prateleiras
livres pela casa eram capazes de armazenar. A solução? Eu deveria me juntar
àquele grupo lindo de pessoas que enchem a biblioteca da própria cidade, e fazer
uma doação em massa.
Fiz isso. Reservei uma noite de
férias para machucar minha coluna e selecionar os títulos. Surpreendentemente,
eu estava bastante desapegada naquela noite em particular. Aquele ali que eu
nunca vou ler por ter 700 páginas e uma sinopse não tão instigante assim? Vai
pra pilha. O outro lá que foi um parto até chegar ao fim? Tchau também. De
adeus em adeus, selecionei quase 100 livros diferentes. Fiz uma nova triagem
com os que eu poderia me arrepender, um dia, de doar. Minha mãe escolheu livros
para ela, meu irmão selecionou as leituras de quem sabe um dia. Os livros que
estão como desejados no skoob dos meus amigos também foram retirados. Logo
restaram duas pilhas de livros tão altas que chegavam a minha cintura. Pronto,
estavam ali os que iriam achar uma nova estante para criar peso.
Alguns dias depois, entrei em
contato com o responsável pela biblioteca. Posso ser sincera? Eu esperava, no
mínimo dos mínimos, um “muito obrigado” numa entonação empolgada. Sabe, é uma
ação bonita. Numa cidade minúscula que a literatura nunca foi lá muito
estimulada, é uma atitude muito legal. Eu estava orgulhosa de mim, na glória do
meu ego gigante. Nas minhas fantasias mais obscuras, as quais alimentava desde
que decidi fazer a tal doação, eu recebia um prêmio. Diria até aquela frase
maravilhosa “I would like to thank not
only God, but also Jesus” que tem uma sonoridade incrível em premiações.
Porém sabe o que eu ouvi? “Não aceitamos doações”.
Meu mundo caiu do alto daquelas
pilhas altas de livros.
Foi um tombo alto, de verdade.
Não apenas eu não ganharia mais a
homenagem, nem o muito obrigado ou parabéns pela atitude, como também não
conseguiria mais espaço livre na estante - o que, por mais egoísta que pareça,
foi o grande motivador de tudo isso.
Certo, ok, me propuseram outra
solução. Com uma publicidade incrível que ninguém sabia, estão criando uma
biblioteca nos arredores da cidade. Ah, eles aceitam doações. Mas espere, não
se emocione. Também não era essa vez que eu tinha conquistado meu título de boa
moça. Aparentemente, alguém precisaria ver meus livros para verificar se
estavam adequados para uma biblioteca.
Veja bem: ADEQUADOS. Eles tem
todas as páginas? Todinhas. Tem marcas de chocolate? Não, óbvio que eu não vou
doar meus livros do Harry Potter. São novos, limpos, cheirosos, alguns raros...
Até onde eu sei, totalmente qualificados. E também: e se não fossem? Quenhé
você para julgar meus livros como adequados ou não? Afinal de contas, quenhé
você para julgar qualquer livro como adequado? É livro, meu amor, já nasceu
adequado.
Esse tal fulano que ia verificar
minha estante ficou de me ligar. Não ligou, nem mandou mensagem no Facebook, nem carta, nem
scrap no Orkut. É esse o tipo de empenho que fazem em receber
doações? É com esse espírito que estamos criando uma biblioteca? Pelo amor de
Deus, é assim que se incentiva leitura?
No final da opera, eu não doei os
livros. Não foi por falta de iniciativa, foi por falta de vontade mesmo –
primeiramente dos outros, posteriormente, minha. Apesar dos apesares, eles ainda
são meus e os quero em estantes de pessoas que vão ler e dar o devido valor.
Aparentemente, não é nas estantes da biblioteca (que eu comentei ser a única pública da cidade? Cidade que não tem nem livraria?).
Pois é, preciso achar outra boa
ação para conquistar meu título de boa moça.
E sabe ainda a pior parte? Minha
coluna será destruída NOVAMENTE quando colocar os livros de volta no devido
lugar.
Droga.